Enquanto arrumava, ou tentava arrumar o meu quarto, a minha pikena realizava uma vistoria ao meu roupeiro. As suas mãozitas percorriam todas as peças em especial os vestidos. Esta aprendiz de gaja estava deliciada e vez em quando lá puxava um vestido que se desprendia do cabide e colocava-o à sua frente. Sua imaginação devia estar num período fértil e estava tão absorvida no seu mundo que achou por bem fazer pequenos atentados à minha integridade física e mental:
- Mamã, quando tu morreres posso vestir todos os teus vestidos?
Pronto, eu sabia que o dia estava a ser calminho demais. Seria muito bom se permanecesse assim... mas, não! Nem estava acreditar no que estava a ouvir...!! A palavra morte já por si tem um peso muito negativo e vindo da boca de uma criança... o choque é maior. E pior, pior é ver que a pessoa em causa era eu! Para ser sincera nem sei onde foi buscar essa ideia mais descabida! Respirei fundo e respondi:
- Para vestires os meus vestidos só precisas de crescer um bocadinho!
Ainda não me tinha refeito da ideia de ver os meus vestidos como herança e a imaginar-me desta para uma melhor...vem o segundo bac.
- ah, quando eu for velhota como tu?
Velhota??? Será que eu ouvi bem?? A minha pikena a chamar-me de velhota... uiii essa doeu!! Que sensação estranha... de repente fiquei com uma sensação de vazio. Finalmente, tive a percepção de como a minha filha me via... uma velhota. A sensação de despojado instalou-se e os meus pensamentos estavam longe. Contudo, as perguntas continuavam e eu já respondia em modo automático.
- E posso usar os teus perfumes? E os teus sapatos? E a tua maquilhagem?
- sim...sim...sim...
O termo velhota continuava assombrar a minha mente e inquiri
- Mas, ó Inês... tu achas que a mamã está velhota? (sempre pensei que ela iria ponderar e responder algo que correspondesse com que eu, realmente, gostava de ouvir...)
-Acho! Oh mamã, estás velhinha e um bocadinho "murchada"...
Há coisas que as crianças não deveriam dizer. Quando querem conseguem ser cruéis!!
Escusado será dizer que saí dali e fui fazer uma auditoria externa num espelho mais próximo... irra!!
De
Amadan a 15 de Agosto de 2007 às 01:53
Passou da morte para a velhice e desta para o "murchada", amanhã estarás novamente linda aos seus olhos.
Afinal, ela está só a tentar garantir a sua parte da herança.
De que vale ser criança se não se puder exercer o cargo?
De
Mia a 16 de Agosto de 2007 às 01:11
Tens razão!! mas, escusava era de encomendar a minha alma aos anjinhos para ficar com os meus vestidos! Na altura não achei muita piada, confesso! " murchada" onde já se viu... LOL
Bjinhosss
Hum... tenho certeza que sua filha está equivocada... crianças são sinceras, mas quanto as impressões de tempo não tem muito parâmetro...
A tônica desta cena, muito além da morte abordada por uma menina, lembra-me outra: o desejo infantil de tomar o lugar do adulto.
Já ouviu "Uma canção desnaturada" de Chico Buarque?
Bjs
De
Mia a 16 de Agosto de 2007 às 14:08
As crianças não tem mesmo a noção do tempo. Um dia para elas é enorme e nunca mais acaba!
Bjokinha :))
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